17.10.08

Falando a mesma língua

Acordo e dou de cara com o acordo. Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, os países lusófonos, enfim, falarão a mesma língua. O mesmo não se pode dizer dos linguistas desses países. Estes não andam falando a mesma língua e com alguns deles não tem acordo. Os que não o veem com bons olhos, dizem que não vai funcionar, ponto. Já os que creem em seu êxito, respondem: não vai funcionar, vírgula! A resistência é maior em Portugal, onde as mudanças na ortografia atingirão em torno de 1,5% das palavras. No Brasil, o percentual de vocábulos alterados é de cerca de 0,5%*.

O fato é que o acordo ortográfico – de 1990 -, começa a vigorar, no Brasil, a partir de janeiro de 2009, embora as regras anteriores permaneçam válidas até 2012. A ideia é unificar a grafia e acabar com a odisseia na comunicação escrita entre os países de língua portuguesa, aumentando a integração entre eles, sendo este seu maior trunfo. A principal queixa dos discordantes é o alto custo envolvido com as mudanças, principalmente na reedição de livros - sobretudo os didáticos, gramáticas e dicionários. Vale lembrar que já passamos por outros acordos e reformas ortográficas - não tão facilmente assimiláveis - e que, por conseguinte, nossa ortografia já foi bem diferente, com menos acentos e muitas consoantes mudas **.

No novo acordo, a maior parte das mudanças implica em perda de acento, como nos hiatos oo (voo), na terceira pessoa do plural dos verbos dar, crer, ler, ver (deem, creem, leem, veem), nas paroxítonas com I e U tônicos precedidos de ditongo (feiura) e nos ditongos ei e oi - apenas em paroxítonas (plateia perde o acento, coronéis, não e cuidado: não confundir veia literata com uma senhora idosa versada em letras). Em Portugal, a maior mudança, porém, talvez seja a supressão das consoantes mudas na grafia de algumas palavras (director, óptimo), o que tem deixado os portugueses sem acção.

Há outras mudanças simplificadoras, como a perda do acento diferencial de palavras homógrafas. Por exemplo, pára, do verbo parar, para de ter acento, o que não constitui um problema, pois se você para para observar, neste caso é fácil distinguir o verbo da preposição. Com relação ao acréscimo das letras K, W e Y ao nosso alfabeto, K pra nós não tem muita utilidade, Y muito menos e W, só na internet. O hífen, que dá trabalho a todo o mundo, perdeu o emprego em algumas situações (abrindo um parêntese aqui, as exceções, grande problema do hífen, continuam) e, finalmente, para que todos fiquem tranquilos e ninguém mais tema nem trema ao escrever, o trema não mais existirá.

A conclusão a que se pode chegar é que o acordo atual, ainda que facilite, não é suficiente para proporcionar uma maior integração entre os países em questão, uma vez que não há como unificar o vocabulário em constante evolução de tais países, cada um com suas próprias influências históricas, como o tupi-guarani e as palavras de origem africana, no caso do Brasil. Por outro lado, é considerável podermos imaginar que este texto escrito assim, de acordo com o acordo, poderia ser lido, sem alterações, em Lisboa ou João Pessoa, em Portugal ou Guiné-Bissau.



* Quanto a esse percentual, Vasco Graça Moura, escritor e deputado português no Parlamento Europeu e um dos maiores críticos do acordo que, segundo ele, “serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros” e “redundará em total benefício do Brasil”, afirma que “não foi feito cálculo nenhum quanto à frequência com que essas palavras são utilizadas, havendo casos em que tal frequência é altíssima”. Leia esta e outras opiniões do além-mar, a favor e contra o acordo, em: www.ciberduvidas.sapo.pt/controversias.

** Para ilustrar tais mudanças de ortografia, seguem curiosos trechos do prefácio e apêndice do livro “A illusão americana”, de Eduardo Prado, publicado no Brasil em 1895, pouco depois da proclamação da República:

“Este despretencioso escripto foi confiscado e prohibido pelo governo republicano do Brazil. Possuir este livro foi delicto, lel-o conspiração, crime havel-o escripto”.

“Escrevo um livro sustentando a doutrina politica de que o Brazil deve ser livre e autonomico perante o estrangeiro, e adopto o aphorismo de Montesquieu, de que as republicas devem ter como fundamento a virtude.
O governo é contrario a essas opiniões, e está no seu direito. Manda, porém, prohibir o livro! Onde está a palavra do governo, dada solemnemente n'um decreto em que diz garantir a propaganda de qualquer doutrina politica?
A sabedoria popular diz: Palavra de rei não volta atraz. - O povo terá de inventar outro proverbio para a palavra do vice-presidente da republica”.